negro de ódio
o buraco
alastra em disrupção
procura-se sozinho
em bandos
de pardais aprisionados
apenas tentando ulular
como ululam
os uh-la-lahs desperdiçados
restam as palavras autofágicas.
O catálogo mnemónico
cronologicamente encaixado
equilibra-se na corda bamba
o tempo…
o que se inventou
e depois tudo vem
e vai
e volta
na aleatoriedade de uma melodia.
cada morte
um renascer
cada nascimento
um homicídio
amassar os dejectos
como artesão
endiabrado pelo vazio
a reconstrução de tudo
do nada
como o rabo da lagartixa.
costumava acreditar na magia
nas fábulas que brotam do acaso
como se o destino as moldasse
e tudo era sentido
no caos do alinhamento
e tudo, num momento
podia ter sentido
era melhor quando cria
quando o coração batia
e num sopro tudo podia
resolver-se
má sorte a racionalidade
que rejeita a própria
má sorte
a fluidez do desnorte
não possa ancorar a razão
a fé em algo, em alguém
a parte que falta, o segredo
o lado belo do enredo
o porquê que escapa à resposta
sei tudo menos
a justificação
é tudo o que importa.
meio mundo
diz para ser persistente
a vivência diz o contrário
a alma reclama a verdade
a racionalidade também
meio mundo
fez-me ser o que sou
outra meia fi-la eu
metade de mim é ateu
a outra metade
atei-a
não sou um pobre coitado
não quero ser, obrigado!
Estou muito bem
assim mal
de que me queixo, afinal?
Meio mundo
tudo a metade do ser
zonas cinzentas a mais
acordas e és nevoeiro
à noite, cintilas demais.
Tudo flui
tudo fui
tudo foi
um sopro sentido apenas
segundos após o impacto
o resto é lastro cinzento
a fissura queimada
onde nascem ervas
daninhas
há sempre as partículas que se espalham
voam à sua sorte
aterram num sabe-se-lá-onde
que pode germinar
um sabe-se-lá-o-quê
e repetem-se ciclos
sem sentido
desprovidos de intenção
porque sim
por que não?
O que disse é nada
o que posso
dar é tudo
nem um pouco
dei a ver
do que pó de ser
visível
sei que és indisponível
como tudo que se vê
sou apenas o porquê
do que é
ou não possível
não é só
o facto de estar
a factualidade da estância
é o porra que digo
ao amanhecer
quero que a lógica se vá…
até que a venhas trazer!
Sei lá
se lamentar a sorte
evapora
fantasmas dançantes
sei que danço
nos instantes encantados
pelo cruzar
das brumas
o delírio galopante
a enredar-se
como fumo entre os dedos
memórias que assombram
castelos do nunca
uma salva de flechas
contra escudos de vidro
estilhaçam
remoinhos emocionais
sem fundo
cospem partículas
no vácuo
fomentando desejos
na poeira astral
é quando surges etérea
que te afago o corpo
e materializo
fantasias quase
secretas
o sussurrar subtil
envolvente
um convite à imensidão
de duração incerta
- Vem beijar o caos criador
do sopro navegante
no mar da volúpia
acariciar o porvir
rasgar a pele do futuro
a quatro mãos massajado
pode mover-se a ar quente…